Que mundo a FIFA pretende unir? – Laborejo
Opinião

Que mundo a FIFA pretende unir?

Entidade promove campanha de união enquanto legitima governos que violam direitos humanos.

31 de julho de 2025

Na final da Copa do Mundo de Clubes, realizada em 13 de julho, nos Estados Unidos, o Chelsea venceu o Paris Saint Germain (PSG) por 3×0 e consagrou-se como o primeiro time a vencer o novo torneio da Federação Internacional de Futebol (FIFA). No momento mais esperado após a partida, em que o capitão do time inglês ergueria a taça, a presença do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no palco montado para os campeões incomodou os jogadores e, mesmo com o presidente da FIFA, Gianni Infantino, pedindo para Trump se retirar, ele permaneceu no palco e saiu nas fotos com os atletas e comissão técnica do time londrino, no que provavelmente será o momento mais lembrado da história dos blues.

Donald Trump em meio aos jogadores do Chelsea durante comemoração de título.
Trump em meio aos jogadores do Chelsea Foto: Buda Mendes/Getty Images/AFP

Essa cena demonstra como o futebol, o esporte mais popular do planeta, tem sido utilizado como palco político por países e chefes de estado para ganharem visibilidade diante de uma audiência mundial. O poder cultural e de identidade nacional que o futebol promove tem sido um prato cheio para os países se promoverem visando melhorar sua imagem diante da comunidade internacional.

Enquanto assistia a Copa do Mundo de Clubes, um anunciante chamou minha atenção nas placas de publicidade do torneio, o PIF. A sigla, quando traduzida do inglês, significa “Fundo de Investimento Público”. Trata-se do fundo soberano de investimentos da Arábia Saudita. Um patrocinador diferente das marcas famosas que tradicionalmente são exibidas nos torneios da FIFA. Fui pesquisar um pouco mais sobre o PIF e percebi que o fundo tem investimentos em diversos setores da economia, inclusive o futebol.

Placa de publicidade do PIF em estádio de futebol.
Publicidade do Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita Divulgação: FIFA

Não é segredo que a Arábia Saudita será sede da Copa do Mundo de 2034. Sediar a copa é a cereja do bolo do projeto Visão 2030, que o próprio site do programa descreve como um “plano transformador e profundamente ambicioso para liberar o vasto potencial da Arábia Saudita”. O investimento do PIF na FIFA integra essa estratégia.

A presença saudita na FIFA vai muito além dessa publicidade. Entre os patrocinadores da instituição está a Aramco, a companhia estatal de petróleo da Arábia Saudita, que aparece como primeira marca na lista de parceiros da FIFA. Ela não é a única estatal que apoia a instituição: também está lá a Qatar Airways, a companhia aérea do Catar, país que sediou a última copa do mundo de seleções em 2022.

Patrocinadores Globais da FIFA

Por que esses países se interessam tanto pela FIFA? A resposta pode estar no poder geopolítico da instituição. A entidade máxima da governança do futebol mundial possui mais países membros do que a Organização das Nações Unidas (ONU). Diferente da ONU, a FIFA organiza uma comunidade de bilhões de torcedores apaixonados pelo esporte ao redor do mundo.

Mais Nações que a ONU

Como o mapa do futebol é maior que o mapa político mundial.

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É evidente que a FIFA é um ator não estatal de relevância no cenário geopolítico. A entidade inclusive se posiciona diante de alguns temas importantes na comunidade internacional. Ela reconhece o Estado da Palestina, que possui uma seleção nacional credenciada. Em situações de conflito, como na guerra entre Rússia e Ucrânia, a entidade toma partido: a Rússia está banida de participar de competições FIFA, incluindo a Copa do Mundo.

A realização de copas do mundo em países em desenvolvimento comprova como a FIFA ocupa esse lugar de interesse dos Estados. Em 2010, a África do Sul sediou a copa; em 2014, o Brasil; em 2018, a Rússia (antes da guerra). Três dos cinco países que compõem o núcleo formador dos BRICS, em três copas seguidas.

No entanto, a FIFA também tem se posicionado de forma omissa e silenciosa. A violenta política anti-imigração do governo Trump, o histórico de perseguição contra jornalistas e violação de direitos humanos contra mulheres na Arábia Saudita, bem como leis homofóbicas e crimes trabalhistas no Catar parecem não incomodar a entidade máxima do futebol mundial. E não se posicionar já é um posicionamento.

Não é novidade a FIFA seguir essa linha. Em 1978, a entidade aceitou a candidatura da Argentina para sediar o mundial daquele ano, mesmo com o país sob uma ditadura que assassinou mais de 30 mil pessoas. Na última copa, no Catar, a FIFA proibiu as seleções da Alemanha, Inglaterra e Holanda de utilizarem uma braçadeira com mensagem de respeito pela comunidade LGBTQIAPN+, justamente em um país que promove perseguições contra essa comunidade.

A campanha "One Love" foi uma iniciativa de diversas seleções europeias durante a Copa do Mundo de 2022 no Catar, com o objetivo de promover a inclusão e a diversidade, especialmente em relação à comunidade LGBTQIAPN+.
A campanha “One Love” foi uma iniciativa de diversas seleções europeias durante a Copa do Mundo de 2022 no Catar, com o objetivo de promover a inclusão e a diversidade, especialmente em relação à comunidade LGBTQIAPN+. Créditos: Marco BERTORELLO / AFP

Para a copa do mundo do ano que vem, que será disputada nos EUA, Canadá e México, a FIFA vem sendo alertada sobre os riscos da política anti-imigração de Trump. Gianni Infantino recebeu uma carta assinada por 90 organizações pedindo que a FIFA se pronunciasse sobre os excessos do presidente americano. A entidade sequer respondeu. A carta, coordenada pela FairSquare, organização de pesquisa e defesa focada na responsabilidade no esporte e nos direitos humanos, e pela coalizão Dignity 2026, organização que visa garantir os direitos humanos na copa do mundo de 2026, alertava para o risco da FIFA “se tornar um instrumento de relações públicas para encobrir a reputação de um governo cada vez mais autoritário”.

Essa postura da FIFA destoa da campanha institucional da entidade intitulada O futebol une o mundo, exibida nos intervalos das partidas da Copa do Mundo de Clubes. Segundo a FIFA, a campanha “representa o compromisso daqueles que vivem o futebol – sejam jogadores, técnicos ou torcedores – em unir nossas comunidades e sociedades”.

Na prática, porém, a FIFA ignora as políticas discriminatórias do governo Trump, as violências contra jornalistas e mulheres na Arábia Saudita, a perseguição contra a comunidade LGBTQIAPN+ no Catar e outros episódios de violação de direitos humanos, como os cometidos pela ditadura argentina nos anos 1970.

A FIFA tem capacidade de lutar por um mundo mais justo e igualitário, onde os direitos humanos sejam de fato respeitados. No entanto, as alianças que a FIFA tem feito vão na direção contrária dessas premissas.

O que me faz refletir sobre a campanha “O futebol une o mundo”: que comunidades e sociedades são essas que a FIFA pretende “unir” por meio do futebol?


Bruno Goulart é estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Maranhão, integra o Grupo de Pesquisa em Comunicação, Tecnologia e Economia – ETC. É membro do Laboratório Experimental de Jornalismo da UFMA – Laborejo. Pesquisa a interface entre Futebol e Comunicação.

Sobre o Laborejo

O Laborejo é um projeto de jornalismo independente que atua no Maranhão, produzindo reportagens aprofundadas sobre temas de interesse público e ampliando a pluralidade de vozes sobre as realidades da sociedade maranhense.