Desejar é o princípio
A catexia do Tambor de Crioula Desejo de São Benedito.
28 de julho de 2025“Catexia”, segundo a Psicanálise, é uma força psíquica direcionada intensamente a uma pessoa ou objeto. A canalização dessa energia — às vezes, um tanto quanto libidinal — impulsiona a manifestação de movimentos visíveis no mundo externo. Trata-se de uma expressão que atravessa o corpo e, ao ser partilhada, ganha contorno em gestos, e no gesto, traduz-se em coletividade.
Nesse sentido, pode-se dizer que há algo profundamente catexial na batida dos tambores que ecoam pelas ladeiras e palcos de São Luís durante o mês de junho. É do desejo que nasce a cinésia. Quando o couro pulsa sob as mãos dos tocadores, o corpo das dançarinas responde. A espiritualidade, então, se transmorfa em som, cor e carne.
Na noite de São João (24), durante a programação de 2025 do Arraial do Ipem, o Tambor de Crioula Desejo de São Benedito e Conceição subiu ao tablado trazendo consigo a força de uma promessa transformada em tradição. Fundado em 2013 por Elisandra Rocha, filha de Oxum Opará, o grupo nasceu na comunidade do Pindaí, zona rural de São José de Ribamar, e desde então reverbera sua devoção por toda a Região Metropolitana da Grande São Luís — especialmente nos bairros da Liberdade e do Maiobão, em Paço do Lumiar. “É um trabalho artístico, mas que vem com fundamento na promessa para os santos Nossa Senhora da Conceição e São Benedito, que [este último] é o padroeiro do tambor de crioula,” explica a fundadora.
Ao som das toadas, Elisandras, Letícias e Roses ecoam o Tambor — expressão reconhecida pelo IPHAN desde 2007 como Patrimônio Cultural Imaterial brasileiro. É no encontro entre juventude e experiência que essa manifestação resiste ao tempo, sustentada pelos olhares atentos das novas dançarinas, cujos giros — a princípio tímidos — amadurecem ano após ano. “A juventude está junto porque é uma continuidade dessa tradição do Tambor de Crioula”, reforça Elisandra. A persistência dos passos as transforma: quando a repetição silencia, a ancestralidade se instala em uma pulsação própria, inseparável da brincante.
Essa conexão entre as brincantes encontra seu clímax na punga, ou barrigada. O gesto — marcado pelo encontro de abdômens — funciona como um convite da coreira, que está no centro da roda, à rodeira que aguarda do lado de fora.
Mais do que uma troca de posições durante a coreografia, o toque entre ventres carrega uma transmissão de saberes, que se expressa catexialmente. Confira a seguir alguns registros do pulsar do Tambor de Crioula Desejo de São Benedito e Conceição — uma promessa que resiste pelas ladeiras da Região Metropolitana da Grande São Luís.
Nefertiti Beckman é estudante de Comunicação Social – Jornalismo da UFMA. É membro do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Imagem (NUPPI) e do projeto Acervo Bem-Te-Vi.
Nicole Correa é acadêmica de Comunicação Social – Jornalismo pela UFMA. É diagramadora da Revista Caravela, vinculada ao curso de Relações Internacionais da UEMA e integra o Grupo de Pesquisa ETC da UFMA.
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