O que a nova geração tem a acrescentar na cultura popular?
09 de julho de 2025Senso de coletividade, representação e mudança de paradigmas
O investimento em cultura tem se mostrado cada vez mais interessante para a política do estado. Como diria o lema: O Maior São João do Mundo, a propaganda é ousada e, realmente, traz muito resultado financeiro e de desenvolvimento no Maranhão, o incentivo às festas tem difundido a Cultura Popular e a tradição do estado para turistas. Porém, o apoio é ocasional, mas o desafio é constante. Logo, a dúvida que tem que estar ecoando dentro dos parlamentos é: Como garantir aos jovens acesso à cultura o ano todo? Pois quando uma nova geração tem acesso ao fazer cultural novos paradigmas são construídos.
No começo de Julho, um amigo do Núcleo Arte Educação (NAE) me mandou o release de um espetáculo, que eu nunca tinha visto antes, o Bumba Meu Ball era um sonho da cena Ballroom maranhense desde antes da Pandemia de Covid-19, eu fiquei feliz de conhecer a pessoa que encabeçou o espetáculo. Josaniel Martins tem 28 anos e é multiartista, a ideia dele era integrar a cultura ballroom e a dança vogue femme à tradição do bumba meu boi. Apresentando ao público familiarizado ao BMB os principais elementos da Dança Vogue, que tem sido uma das principais manifestações da comunidade LGBTQIA+.
Não deixei de pensar em quão genial é unir uma tradição tão rica e simbólica à cultura Ballroom, que é um local de pertencimento de toda uma comunidade, que apesar de estar presente dentro das manifestações culturais mais tradicionais, precisa todos os dias construir ambientes seguros. Esse feat é importante para evidenciar a importância de respeitar a tradição e chamar atenção para o que está sendo construído. E que, como tudo que é novo, sofre com o preconceito e a falta de apoio. Conversando com Josaniel, resolvi destacar algo muito bonito que ele me disse:
Se hoje podemos ver essa diversidade em cima de um palco de Teatro tradicional com um espetáculo afirmadamente queer, esta é uma conquista da nossa geração, pois muitas vezes isso não seria possível em outro momento histórico.
Pensando em ambientes culturais construídos por jovens me lembrei da minha adolescência quando tive contato pela primeira vez com o Tambor de Crioula. Foi por meio de um projeto do Núcleo de Estudos Afrobrasileiro e Indígena (NEABI) do IFMA Maracanã. Nele adolescentes pesquisavam a história do TC no Maranhão, e o que faziam de mais encantador era acender a fogueira, afinar os tambores e ir para debaixo de uma mangueira dançar o tambor. Por meio do projeto, um grupo de jovens fortalecem seus vínculos entre si e com a sua comunidade, entendendo o que significa o pertencimento de um grupo aos seus familiares, amigos e a sua terra.
Foi em 2019, com apenas 15 anos que tive o privilégio de conhecer o projeto e até de dançar com meus colegas. João Lucas Oliveira, 23 anos, é uma amizade que veio desse contato, ao ser apresentada ao grupo conhecemos a história do Tambor de Crioula no Maranhão, e entendiámos como a manifestação era um símbolo de resistência à escravidão e ao colonialismo, com isso o grupo fortalecia a identidade de quem fazia parte dele. João era um desses pesquisadores, com ele aprendi sobre a importância do pertencimento. Como ele disse para mim:
Porém, o Tambor de Crioula do IFMA Maracanã, sendo um tambor de pesquisa, enfrentou diversos problemas, como falta de investimento para adereços e viagens, e até ataques racistas dentro e fora de São Luís. Em 2017, em um Encontro Nacional de Estudantes, xingamentos racistas como “macumbeiros”, “macacos” foram proferidos ao grupo cultural no Rio de Janeiro. O ônibus dos estudantes maranhenses chegou a ser vandalizado. A palavra “sujos” foi escrita no coletivo. Até hoje os alunos racistas não foram identificados.
Ou seja, o fazer cultural sempre foi um desafio e continua sendo até hoje, principalmente de grupos étnicos e queers. Porém temos jovens que podem mudar o nosso cenário atual e transformar ele em um ambiente mais diverso, acolhedor e rico. Valorizando a História e a tradição, com o pé no futuro.
João Lucas, além de ser um grande pesquisador, é também um grande amigo, me ensinando muitas coisas. Durante a nossa entrevista, ele pontuou exatamente o que eu buscava com essa pauta: senso de pertencimento e comunidade.
A cultura tradicional muitas vezes chega aos jovens como nostalgia, algo que foi desenvolvido na infância ou que existe de uma forma distante, pois quem são os brincantes? Como podemos nos ver como parte de uma cultura popular se não estamos conectados à nossa comunidade? Não apenas por causa da tecnologia, pois historicamente novas ideias e expressões artísticas não são bem recebidas. Foi o que aconteceu com o reggae na década de 80, com conflitos violentos apoiados por uma estrutura social racista e classista que ainda é a base da elite do nosso país.
Porém, muitos jovens têm tido dificuldade na construção de relacionamentos, seja com outras pessoas, seja com o ambiente, tudo isso afeta o seu convívio social. Como podemos contribuir para a cultura se cultura não se faz sozinho.
Nestes dois projetos incríveis, o que podemos ver, além da beleza de se parir algo novo a partir de uma tradição tão marcante na nossa identidade, é como a coletividade influencia para o conhecimento do eu. De fora para dentro ou de dentro para fora, a troca das individualidades que fazem a nossa geração única é entender o quanto de nós está em uma apresentação, seja no teatro ou debaixo daquela mangueira no Maracanã, o quanto dos nossos dilemas, necessidades e afetos estão sendo expostos na arte. E, enfim, o quanto de nós existe no outro. Josaniel fala da importância de conhecer um movimento cultural que conversa tanto com quem ele é:
Por isso, a apresentação é um presente daquele grupo de jovens que subiram orgulhosos em um “palco italiano pela primeira vez”, para aquele público, que podia até não conhecer a cultura Ballroom, mas que, certamente, conhecia a riqueza do Bumba Meu Boi, que é tão singular, mas ao mesmo tempo consegue se encontrar com o Ballroom pela grandeza cultural e pela paixão de quem luta todos os dias para manter viva uma comunidade.
No fim das contas, fico orgulhosa em ver como a nossa geração tem aprendido a se relacionar e a construir espaços cada vez mais ricos e diversos. O que sempre aconteceu, a cultura é democrática, mas a forma que é feita tem que ser repensada e João e Josaniel são figuras que representam essa mudança e representam as nossas necessidades. Estou feliz por viver isso agora com eles. Sucesso sempre. Orgulho sempre.
Hiza Júlia Leal — Quase jornalista e pesquisadora desde sempre. Gênero, raça, mídia digital e infância são áreas de interesse. Sempre aberta para novos diálogos. instagram: @hizaleal.
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